"Não consigo fazer uma descrição adequada do Campo de Horror no qual os meus homens e eu próprio íamos passar o mês seguinte das nossas vidas (...). Havia cadáveres por toda a parte, alguns em pilhas imensas, por vezes sozinhos, outras em pares, nos sítios onde tinham caído.
Demorou algum tempo a habituarmo-nos a ver homens, mulheres e crianças em colapso ao passarmos por eles, e a conseguir impedir-nos de ir em sua ajuda. Tivemos desde cedo que ajustar-nos à ideia de que o indivíduo não contava. Sabíamos que morriam 500 por dia, e que 500 iriam continuar a morrer diariamente durante semanas, antes que algo que pudéssemos fazer tivesse o mais pequeno efeito (...).
Foi pouco depois de ter chegado a Cruz Vermelha britânica - ainda que possa não ter qualquer ligação - que recebemos uma larga quantidade de batons vermelhos. Isto não era de todo aquilo que nós, homens, queríamos, pois estávamos desesperados por milhares de outras coisas. Não sei quem pediu batons. Ah, como eu adorava descobrir quem o fez! Foi a acção de um génio, um maravilhoso e brilhante acto não adulterado. Acredito que nada fez mais por aquelas pessoas que o batom. As mulheres ficavam deitadas na cama sem lençóis nem roupa no corpo, mas com intensos lábios vermelhos; viam-se a deambular sem nada mais do que um cobertor sobre os ombros, mas com intensos lábios vermelhos. Vi uma mulher morta na mesa fria para cadáveres apertando na sua mão um batom.
Finalmente alguém tinha feito algo para os fazer sentir de novo pessoas, sentir que eram alguém, não mais apenas um número tatuado num braço. Finalmente conseguiam interessar-se pela sua aparência. Aqueles batons começaram a devolver-lhes, de novo, a sua Humanidade."
(Tradução e adaptação do excerto do diário do tenente-coronel Mervin Willett Gonin DSO que esteve entre os primeiros soldados ingleses a chegar ao campo de morte Nazi de Bergen-Belsen. Este campo foi libertado em Abril de 1945, perto do final da II Guerra Mundial. Texto retirado originalmente do Imperial War Museum e citado no livro Bansky - Wall and Piece (2005), Londres, Century.)
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Este Manifesto mostra-nos que por vezes o que nos salva e dá novos sentidos à existência pode ser insignificante e inesperado. É por vezes algo bem diferente do idealizado, imprevisível e simples, não antecipado, mas que, se estivermos de espírito aberto para notar, aproveitar, saborear, nos reencaminha para uma vida mais bem vivida - mesmo perante o maior dos horrores e dos sofrimentos, como este Manifesto dolorosamente lembra.
(Rivero, C., & Marujo, H. A. (2011), Positiva-mente)
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Olá
ResponderEliminarDescobri o vosso blogue a partir deste texto (o qual procurava para também colocar no blogue que tenho com as minhas colegas). Comecei agora a ler o livro "Positivamente" e fiquei logo rendida com este manifesto e com as reflexões a que nos convida, nomeadamente, como referem as autoras que o citam, que "por vezes o que nos salva e dá sentido à existência pode ser insignificante e inesperado".
Foi bom conhecer-vos. Estamos convosco nesta caminhada. Um abraço
Teresa