Avançar para o conteúdo principal

Uma História Real…


«Na véspera tinha-me telefonado um amigo meu para saber se eu estaria livre na manhã seguinte. Era domingo, e disse-lhe que sim.
“Poderias então fazer-me um favor?”, perguntou. Não a ele pessoalmente, esclareceu, mas a um amigo que precisava que alguém lhe explicasse a basílica de São Pedro. Respondi que sim, recordando a minha experiência enquanto cicerone dos peregrinos.
“Mas – insistiu o meu amigo, com uma voz carregada de mistério – este é um turista todo especial!” “Alguma personalidade?”, perguntei. “Não, é um cego”, disse a voz do outro lado do telefone. Fez uma pausa – a aproveitar o meu espanto –, e logo acrescentou: “Quer ‘ver’ a basílica e, eu pensei que não a veria mal através dos teus olhos!”
Senti-me nervoso. Seria eu capaz de fazer “ver” a basílica a um cego? Como explicaria naves e colunas, cúpulas e retábulos?
A surpresa começou quando Lourenço Tapia – assim se chamava – desceu do autocarro que parava exactamente a duzentos metros da praça vaticana. Teria uns vinte e cinco anos… e, trazia estampadas no rosto a alegria e a decisão de simplesmente viver a vida. Eu, tinha começado a tremer, asseguro-vos.
Explicou-me que era cego desde os onze anos, que, ao perder a vista, viveu muito tempo uma terrível agonia, até descobrir que tinha dentro um coração, e que lhe bastava isso para ser feliz. Desde então tinha decidido não se fechar e viver como se os olhos continuassem a iluminá-lo, sem se enroscar no seu próprio medo.
Por vezes, explicou, ao sair sozinho pelas ruas, perdia-se e, acabava no lugar oposto ao que procurava. Isto metia-lhe medo, mas depois compreendeu que pouco importava, porque no lugar onde fora ter por engano sempre acabava por encontrar alguém que o ajudava, alguém de quem podia fazer-se amigo. “Porque – afirmou como se formulasse um dogma – todo o Ser Humano é bom!”
- Sabes muito bem que isso não é verdade, argumentei.
- Quem o não sabes és tu, sorriu de novo. É preciso ser cego para saber que a humanidade é boa. Tenho às vezes problemas, mas sei que na vida tudo tem saída! E, para nos entendermos com desconhecidos, basta um profundo interesse pela vida e pela personalidade dos outros. Basta não ter medo e admitir a profunda necessidade que todos temos uns dos outros. Eu deles, e eles de mim... porque todos são cegos de alguma coisa!”
Lourenço, não me deixou ficar muito tempo na minha reflexão: “Agora, disse, pegando-me pela mão, vamos ver a basílica!” E como se notasse o meu pulso agitado, riu de novo e acrescentou: “Dir-se-ia que sou eu que te guio a ti!”
Era verdade. Deixei-me conduzir pela sua alegria e mergulhei naquela praça que eu visitava todos os dias, mas realmente pisava então pela primeira vez. Com os olhos fechados – tratando de imaginar como a “veria” ele – fui explicando as colunas, o mármore das estátuas, a geometria da fachada, a luz flutuante da cúpula… Ao fazê-lo, dei-me conta que estava a falar da basílica interior…
Quando tornei a abrir os olhos senti-me rodeado de cegos: de gente que falava de dinheiro, de esperanças baratas, de gente que via com os olhos mas não com a alma.»

(Autor: José Luís Martín Descalzo; Fonte: "Razões para a Esperança")

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Blogger: Aqui é melhor não!

O Comittee to Protect Journalist , uma ONG que defende os jornalistas e a liberdade de imprensa, elaborou um relatório sobre os piores países para exercer a actividade de "blogger". Países como a Birmânia, Irão, Síria, Cuba, Arábia Saudita, Vietname, Tunísia, China, Turquemenistão e Egipto, para só apontar os piores entre os piores, exercem verdadeira caça aos bloggers. Desde polícia on-line, obrigatoriedade de registo no Ministério da Cultura, cibercafés com ficha individual dos clientes, lista negra de blogues, monitorização de correio electrónico, entre outras medidas restritivas, tudo é utilizado para bloquear o livre acesso e a divulgação de informação. Aqui neste cantinho à beira-mar plantado, e já lá vão os tempos da CENSURA (pelo menos da censura directa...), nós que desejamos tão somente fazer deste blogue " ...um espaço aberto a Críticas Construtivas, onde todos possamos abanar a Sensibilidade e a Sensatez da Raça Humana... ", ficamos estupefactos e incré

Em Vida, Irmão, Em Vida

Se quiseres fazer feliz alguém a quem amas muito, diz-lho hoje, sê bom... Em vida, irmão, em vida. Se desejas dar uma flor, não esperes que morram, manda-a hoje com amor... Em vida, irmão, em vida. Se desejas dizer "gosto de ti" às pessoas de tua casa e ao amigo próximo ou afastado... Em vida, irmão, em vida. Não esperes que as pessoas morram, para lhes quereres bem e fazer-lhes sentir o teu afecto... Em vida, irmão, em vida. Tu serás muito mais feliz, se aprenderes a fazer felizes a todos os que conheceres... Em vida, irmão, em vida. Nunca visites panteões, nem enchas túmulos de flores, enche corações de amor... Em vida, irmão, em vida.   (do livro “Parábolas Como Setas”, de Manuel Sánchez Monge)

Um dia todos nós temos o mundo nas mãos…

Vamos reflectir sobre a nossa relação com o mundo em que vivemos? Lamentamo-nos de que as coisas vão mal, aceitamos sem recalcitrar tudo o que se sucede à nossa volta… mas… fazemos, realmente, algum esforço para transformar o mundo?! Humm… é difícil… dá trabalho… Eu… ai, como eu sou comodista! Recebemos diferentes dons de Deus, segundo as nossas capacidades. Mas o importante é desenvolvê-los, fazê-los render… não podemos simplesmente guardá-los dentro da nossa “arca”! Não podemos assustar-nos com os problemas do nosso mundo… O que importa é contribuir para mudar para melhor o nosso mundo, na medida das nossas possibilidades. Todos podemos fazer algo… tornar este mundo um pouco mais acolhedor, mais humano… Todos podemos prestar alguma pequena ajuda aos outros… De nós depende que haja mais justos e bons! “ Era uma vez um homem como todos os outros. Um homem normal. Com qualidades e defeitos. Não era diferente. Mas um dia bateram-lhe repentinamente à porta. Quando abriu, encontrou os seus